terça-feira, 16 de junho de 2020

centésima quadrigésima segunda página

Nosso gato morreu. Direto da vida densa desse des-tempo dessa quarentena. Quando a gente tava tanto. Nunca antes tanto.

Muita dor. Me viu por 7 vidas nesses 15 anos. Viu Hari nascer. Um rei egípcio. Uma delicadeza de presença.

Todas as bênçãos na sua nau egípcia. Um pedaço de tudo o que vivemos. Que a gente esteja sempre junto, Benné. Obrigada por tudo. Nosso amor imenso, como você é.

Hari,  10 anos de vida, na quarentena

terça-feira, 28 de abril de 2020

centésima quadrigésima primeira página



Quando a tarde caiu a luz do poste da rua acendeu. Era 17h54, a hora que Hari nasceu há 10 anos atrás. Quando ele nasceu não tinha nome. Era o bebê. Por 7 dias. Até que o nome dele veio, também no final de tarde. O sol queimando de vermelho o céu. Os fins de tarde são assustadores pra mim. Anunciam uma vida inteira pela frente. É muito mistério.
Ontem à noite a noite não acabava. De madrugada fui tomar banho. À luz de velas. Olhei pro azulejo frio. Eu estava tão sozinha. Ser mãe é tão solitário. Um medo. Não era medo. Era o portal se abrindo outra vez. Pude ver como foi que comecei esse transe que é ser mãe de meu filho. Como é ser mãe de um filho.
Quando vi o instante que o dia caiu me veio uma reza. Filho tenha coragem. Siga seu coração. Ame. Seja amado. Desejo prosperidade. Obrigada por ser meu filho. Quando eu morrer ainda vou olhar por você.
Mamãe te desejo o mesmo.


Hari, 10 anos de vida, na quarentena

segunda-feira, 8 de julho de 2019

centésima quadrigésima página


Quero estar no tempo e estar na presença. Quero não ter pressa.
Olhar seus cristais flutuantes, seus sonhos, seu choro, seu baú do futuro.
Te sinto extendido do meu útero por um fio ancestral.

(feliz dia das mães pra gente, filho)

Hari, 9 anos de vida

quinta-feira, 7 de março de 2019

centésima trigésima nona página



- filho, a mamain pulou tantooo carnaval.

- eu sei mãe. te conheço. não precisa nem falar.

Hari, 8 anos e muitos meses de vida

quinta-feira, 28 de junho de 2018

centésima trigésima oitava página


Na noite anterior ele montou quebra cabeças complicados. Sozinho. Era o mundo em partes. E lia de cabeça para baixo o nome de cada país.

Qual foi o dia que ele aprendeu isso?

No dia seguinte chegou na nova escola. Arisco.

Assisti ele enfrentando o coração batendo diante desse grande passo.
Me mantive ao lado. Silêncio.

Na escada encontrou uma amiga. Gargalhou. Foi um sopro de grito celebrante: estava em casa.
Na sequência encontrou mais dois outros amigos. Já era parte do que antes era estranho.

Na sala de aula todos se apresentando. Vi meu filho sendo recebido.
Fiquei atras dele. Ele em pé. Dignidade. Cada nome e cada idade narrada era ele um pouco mais ali.

Chorei.
Vi meu filho olhando para o novo mundo.
Fiquei atras guardiã e soltando a linha da pipa.

Logo ele sumiu. Já era um da turma.

Quando fui buscá-lo no meio do dia, apareceu com dois amigos. Os dois me disseram que era para deixá-lo. Um deles abraçou Hari, que então me sorriu.

Meu filho quisto.

No fim do dia ele já era um aluno há muito tempo. Todos os funcionários já sabiam quem ele era.
Ele: mamain quero estudar nessa escola. Tenho amigos antigos e novos.

Hari, 8 anos e 2 meses de vida

quinta-feira, 22 de março de 2018

centésima trigésima sétima página


Quando fui acordá-lo de manhã:

- bom dia amor. vamos acordar?
- psiu mamãe! tô fazendo conta!!

Hari, 7 anos e 10 meses de vida e amando matemática

quarta-feira, 7 de março de 2018

centésima trigésima sexta página


- mamain aquela casa tá pra alugar.
- como você sabe?
- porque eu li. tem a letra A depois L e então eu reconheço. quando é pra vender tem a letra V e depois a E.

Hari, 7 anos e 10 meses de vida