segunda-feira, 30 de novembro de 2009

sexta página

Começo a sonhar com meu filho.
Caminhava hoje em um parque e nenhuma criança por perto.
O vi em todos os brinquedos.
Imaginei nós dois passeando e a nossa frente uma vasta paisagem.
Imaginei entre nós o silêncio de quem, junto, escuta o vento. Eu apresentava a ele as sombras das árvores e o espaço. Nós dois juntos, ele em seu carrinho, eu o empurrando, corríamos, corríamos muito e toda a paisagem a nosso redor, antes nitidez, agora um lindo borrão de cores.

...

Por volta da 15 semana de gravidez fizemos um ultra som de rotina. Ali o vimos todo, em 3 D, indubitável. Vimos também o que, apesar de ainda muito cedo para saber, se assemelhava muito a um pequeno saco escrotal.
Se o ultra som estiver certo,declaro, penduro definitivamente minhas chuteiras de futura cartomante.

Surpresa.

A partir dessa surpresa algo de livre começou a habitar-me.
Não sei ainda seu nome, não sei ainda de onde vem. Ou porque vem.
Nem sei por que me escolheu.
Sei que é isento de qualquer biografia e é livre de mim; e é a partir disso que começo um estranho caminho onde eu sou mãe pela primeira vez.

O que se passou no passado fica agora coberto de uma confusa neblina e já não tenho mais muitas certezas. O principal é que este não é um mensageiro de nada, não é pombo correio, não veio através de uma máquina do tempo. É um homem, possivelmente, e gerar um homem é coisa muito importante.

Dias atrás enquanto quase dormia, me dei conta dessa séria semente. Educar um menino é alimentar o mundo de um pouco mais de beleza.
Senti-me importante.
Logo pensei que quero ensinar-lhe muitas coisas. Pensei em ensinar-lhe a cozinhar (porque faltam homens que cozinhem), e a cuidar da casa (pelo mesmo motivo), a falar línguas, a terminar qualquer coisa que comece, a respeitar as pessoas sem discriminação, com seu pai pode aprender a tocar piano, se quiser ser um engenheiro vou ajudá-lo com as lições de matemática, se quiser ser um sociólogo ou artista vou lhe dar bons livros para ler, se quiser ter filhos será um maravilhoso pai e se quiser casar será um amoroso e dedicado marido.

Através desses meus todos sonhos, me sinto mais aterrada, mais arredondada, mais submetida, mais primitiva, mais conectada.

Diziam os antigos pagãos que somos filhos da Grande Mãe, da Deusa. Eu gosto de pensar nisso agora.

a poucos minutos do início da 19 semana

sábado, 14 de novembro de 2009

quinta página

o acupunturista me disse:

“coma peixe de águas profundas”
eu, de volta ao fundo do mar...

16 semanas

terça-feira, 10 de novembro de 2009

quarta página

ela também é conciliatória.

Tenho tido vontade de falar com meus inimigos.
Existem dois. O um me traiu. O dois me abandonou.
Não,
acho que é o contrário.
Não,
é a mesma coisa.


Hoje eu entro no quarto mês.
Sinto o cheiro dos dias do passado, aqui, e o peso enlutado do ar a minha volta, estagnado e frio.
Despedida.
...

Grávidas deveriam ler mãos.
Ganhar prevendo o futuro.
O olhar em nós é um radar a serviço da exata temporalidade.
Seria capaz de penetrar nas possibilidades, viajar por entre suas células coloridas e sonoras, eu fluída, e voltar, claro, renovada depois de tamanha expedição. Cheia de novidades.
O cliente poderia escolher, assim, dentre as checadas possibilidades, qual delas mais se aprazasse. Eu as exporia como um baralho aberto em minhas mãos.
E partiria em uma nova expedição.

Ás vezes eu não gosto de estar aqui.
Quero explodir demais, ser substância volátil, purpurinada; mas os dias não deixam, as contas também não. Temos muitas contas a pagar.
Aliás, tenho novidades. Vamos nos mudar. Um grande apartamento. Lá gatinhos, piano, enteada, marido, eu e minha imensa necessidade de ser mãe, coabitaremos com vista para o centro da cidade. Com vista para o olho do furacão.

Aliás, (segundo aliás), tenho uma reivindicação a fazer : mulheres grávidas deveriam ter o direito de pagar meia refeição em restaurantes e meia conta nas compras de supermercado. Poxa, já fazemos tanto pela espécie... A sociedade deveria custear a gravidade a que nos dispomos sacrificar. E toda a vertigem colateral.
...

Tenho sentido calor esses dias. Parece até que escuto cornetas solenes anunciando o segundo grande verão de minha vida. O primeiro foi na infância, quando tudo que sentimos, sentimos com extrema intensidade. O segundo é agora, grávida, quando tudo o que sentimos, sentimos com extrema intensidade.

Ai... a gravidez e a infância são tão parecidas... Sinto a vida aqui, colada em minha pele, grudenta e alucinógena.

Também tenho tido vontade de comprar muitas coisas bonitas. Só coisas bonitas. Roupas, sapatos, coisas bonitas para me enfeitar. Eu preciso tanto...
E passear, flanar esvoaçante.

Agora vou à peixaria.
Aproveitar esta rara manhã depois de tantas manhãs que têm me faltado.
Pois é, noites muito estranhas têm me rodeado... muito estranhas... Noites que duram até o início da tarde do dia seguinte.
Fenômenos gestacionais, todos, todos, esquisitos demais...

16 semanas e iniciando o quarto mês