domingo, 27 de dezembro de 2009

décima terceira página

eu preciso fazer yoga
eu preciso fazer acupuntura
eu preciso fazer análise
eu preciso comer carne
eu preciso descansar
eu preciso contemplar
eu preciso escrever
eu preciso desenhar
eu quero aprender a costurar...

A mais de um mês uma máquina de costura chegou aqui em casa. A comprei no dia que senti meu filho mexer a primeira vez. Foi a caminho da Casas Bahia.
Essa máquina de costura é minha máquina de projetos e minha máquina de futuro.

A uns dez anos atrás lia uns livros infantis. Belíssimas ilustrações.
A personagem central, ao lado de seres folclóricos, usava vestidos longos e floridos. E bolsas grandes para ir à feira.
Sua casa era toda iluminada e cheia de espaços.
Eles pareciam bem felizes por ali.

Quero vestidos como aqueles e muito espaço ao nosso redor para sermos felizes.
Quero não ter mais medo de minha barriga murchar, assim, sem me avisar.

22 semanas

sábado, 26 de dezembro de 2009

décima segunda página

Eu fui toda acontentada, toda barriguda, com meu vestido mais bonito, e... melhor não entrarmos em detalhes, mas foi um natal misturado de horrível com normal.

Normal porque os encontros familiares são assim mesmo no natal, e horrível pela mesma razão.
Para finalizar bem isso tudo, minha estante de livros, feita de tijolos, caiu em meu marido. Era tijolo, livro e marido ferido por toda parte.

Acabei, para o almoço do dia 25, comendo macarrão com atum enlatado às 20h da noite. E sozinha.
Ainda bem que os especiais do Roberto Carlos existem. Uma bela mistura de horrível com normal.

22 semanas, quase sem panetone

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

décima primeira página

e estou a própria Virgem Maria hoje

22 semanas, véspera de Natal, cheia de contentamento

décima página

Acupuntura é melhor q fumar maconha.

Eu não fumo maconha, caso meu pai leia isso, mas hoje sai feliz da sessão. Flanando.
Um motoqueiro me xingou, eu ri. O outro quase me atropelou, eu ri.
Hoje eu estou sentindo contentamento.

Adineusa está aqui, a faxineira nova que foi pescada, a nosso pedido, pelo porteiro do prédio. É uma moça toda viçosa, uns 40 anos. Veio de vestido vermelho, pó no rosto e decidida. Até arrastou móveis por aqui.
A Adineusa já pariu seis filhos. Uns sozinha, outros com parteira.
Lá na Bahia.
Hoje ela está limpando minha casa, e eu estou feliz com isso.
Hoje eu estou sentindo contentamento.

Falando em hoje, ontem foi um grande dia. Confirmamos que nosso bebê é um menino. Vi seu pintinho que foi chamado de pintão pela médica. Vi suas mãos, seus pés, seu perfil bonitinho.
Mais tarde encontramos meu pai, que nos trouxe uma caixa cheia de lichias vindas da árvore de sua casa e um presente enviado por minha irmã: uma pequena maletinha. Dentro lindas roupas de bebê, chocolates deliciosos, um pequeno palhacinho, um livro pleno de texturas e uma caixinha de música, que toca a mesma música da minha caixinha de música da infância.
Era sempre uma briga.
Eu tinha muito ciúmes de minha bailarina que se apresentava ao som de Pour Elise, até que um dia ela sumiu.
Agora ela apareceu de novo.
Hoje eu estou sentindo contentamento.

Eu tô achando que no ano que vem, 2010, eu vou ficar rica. Tenho certeza disso. Digo isso por que..., não sei explicar, mas quando eu era pequena minha mãe me falou que eu seria miss Brasil. Disse também que casaria com um príncipe, que conheceria o Papa, muitas outras coisas fantásticas e que eu seria muito rica. Ela abria seu tarô e me dizia essas coisas. Eu acreditava. Dizia também que eu seria muito famosa e que tudo o que eu quisesse eu conseguiria...
Eu ainda aguardo pela faixa da mais bonita do Brasil, aguardo pela linda festa de casamento e quanto a conhecer o papa,... já conheci. De bem longe quando estive no Vaticano, mas conheci. E chorei muito também. Senti que ali começava minha bem afortunada vida.

Bom, eu tô achando que ano que vem vou ficar muito rica, porque hoje estou sentindo contentamento. Contentamento. E quando me sinto assim me sinto jovem, potente. Ano que vem nosso bebê menino chega e com ele todas as faixas de miss Brasil e até interplanetárias também. Ano que vem sou muito rica de família, de peito e de leite. E de filho. E estou contente. Hoje e nos próximos dias, para sempre, estou sentindo muito contentamento...

22 semanas

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

nona página

Quando eu sei que tem um bebê na minha barriga, sorrio contente.
Quando imagino que tem um bebê na minha barriga,
não vejo mais nada.

...
Antes de ontem estive em uma reunião de mães pós-parto.
Eu era a única ainda gestante.
Elas falavam das demandas de se ter um bebê e de ser uma mulher em transformação. Elas falavam muitas coisas e eu me comovi com todas e me vi em cada uma delas.
Senti-me parte da humanidade.

Percebi que sou uma mãe num pós-parto estranho e uma gestante de primeira viagem. Tudo ao mesmo tempo.
Congestão simbólica.

Mas cada coisa tem seu endereço e o dia também seu lugar.
Cheio de caminhantes, no dia, o tempo vai ganhando um diferente significado:

Em abril vou ganhar um bebê!
Em abril vou ganhar um bebê!
Em abril vou ganhar um bebê!
Em abril vou ganhar um bebê!
Em abril vou ganhar um bebê!
Em abril vou ganhar um bebê!
e a vida vai ser toda bonita...

21 semanas

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

oitava página

Hoje descobri uma coisa, maravilhosa e estranha:
tem um bebê na minha barriga.
de verdade.
E mais, parece que todo mundo já sabia.
Minha barriga é um planeta.

Minha mãe é uma mulher da moda.
Na década de 80 toda a semana reuniões ocorriam em casa.
Ora de ufólogos, ora esotéricos em geral, ora nada e ela ia às reuniões da Rosacruz.
Na estante de casa tinha um livro: A Terra oca.
Eu imaginava as coisas mais estranhas habitando a terra abaixo dos meus pés.
Agora eu sei do que se tratava aquele livro:
a Terra é uma barriga gestante.
Eu sou a Terra.

20 semanas

domingo, 13 de dezembro de 2009


sétima página

Porque sentimos tanta raiva?
Raiva do sujeito que nos ultrapassou mal educadamente no trânsito, raiva do marido que não adivinhou nosso pensamento, raiva do passado que nos prometeu um belo futuro, raiva do presente quando é bem duro, e medo, medo do que está por vir.

Às vezes eu sinto tanto medo que não sinto medo.
...

Mas a raiva é um negócio desconfortável. A armadura é desconfortável. Põe-me cheia de espinhos.
A culpa é do mundo pelos meus espinhos, afasto o mundo através de meus espinhos e nascem mais espinhos porque o mundo me abandonou.

Quando eu era bem pequena, uns 4 anos, estava a esperar minha mãe lavar minhas mãos no lavabo do apartamento que passamos nossa infância. O lavabo era laranja, meus cabelos bem curtos por piolhos recentes e meus olhos meu pensamento. Ela lavava as mãos de minha irmã primeiro e eu me lamentava por não ter sido a primeira. Dizia a ela que nunca mais eu seria a primeira, porque aquele instante de vida não se repetiria. Eu sabia que um segundo nunca é igual ao outro. Aquilo foi grave para mim, mas mais grave ainda foi minha mãe não perceber que eu falava do profundo, do mistério.

Do mar.
No começo da gravidez eu sonhava com freqüência que deveria me lançar ao mar.
De alturas atmosféricas.
Tinha medo da queda livre e temia não atingir o fundo do mar. Temia a velocidade, quebrar as pernas. Temia não poder me impulsionar de volta à superfície. Temia a escuridão do mergulho e o que existia por lá.
Sonhei também com ondas tissunâmicas. Horrorosas. Pânico coletivo e eu perdia meu pai na praia. Não havia mais tempo.
Outra vez, me assistia dentro do velho carro de meu marido optando pela ponte errada. E quebrada. Afoguei-me definitivamente.
Fatal fundo do mar.

...

Contudo quando olho a linha do mar vejo a viagem verdadeira. Ali o mundo cabe...
Quando eu tinha uns 7 anos, em Fortaleza, com meu pai vi uma estrela cadente. Caiu no mar. Disse-me que estrelas cadentes que caem no mar viram estrelas do mar.
Ainda acredito nisso.
Outro dia, em outra praia, estive lá. No mar. Mergulhei na gravidade invertida e perigosa. Queria ir bem longe do barco. Era solitário e livre.
Eu estava contente.
Mas pensava em meu bebê. Nadar com peixes, ver enormes pedras submersas e tudo o mais o que vi é comprometedor. Pensava se meu bebê sentia o medo que eu sentia, sentia a gravidade que eu sentia e sabia que ali era infinita a aventura. Pensava que poderia estar molhado e salgado e sem ar, porque eu respirava menos embaixo da água. Pensava que queria proporcionar a ele a beleza do mundo...

Mesmo assim, em outra praia, cercada pela serra e selvagem paisagem, colhi três conchinhas para meu filho.
Para lhe indicar o caminho. Para lhe mostrar por onde passei.

Em breve seremos eu e você a investigar a lendas do mundo e aí então, depois de finalmente eu ter a braçadas vencido todos os mares, vou te escutar me contar que na verdade estrelas do mar são... e vou sorrir segura.
Terra firme.

20 semanas