domingo, 13 de dezembro de 2009

sétima página

Porque sentimos tanta raiva?
Raiva do sujeito que nos ultrapassou mal educadamente no trânsito, raiva do marido que não adivinhou nosso pensamento, raiva do passado que nos prometeu um belo futuro, raiva do presente quando é bem duro, e medo, medo do que está por vir.

Às vezes eu sinto tanto medo que não sinto medo.
...

Mas a raiva é um negócio desconfortável. A armadura é desconfortável. Põe-me cheia de espinhos.
A culpa é do mundo pelos meus espinhos, afasto o mundo através de meus espinhos e nascem mais espinhos porque o mundo me abandonou.

Quando eu era bem pequena, uns 4 anos, estava a esperar minha mãe lavar minhas mãos no lavabo do apartamento que passamos nossa infância. O lavabo era laranja, meus cabelos bem curtos por piolhos recentes e meus olhos meu pensamento. Ela lavava as mãos de minha irmã primeiro e eu me lamentava por não ter sido a primeira. Dizia a ela que nunca mais eu seria a primeira, porque aquele instante de vida não se repetiria. Eu sabia que um segundo nunca é igual ao outro. Aquilo foi grave para mim, mas mais grave ainda foi minha mãe não perceber que eu falava do profundo, do mistério.

Do mar.
No começo da gravidez eu sonhava com freqüência que deveria me lançar ao mar.
De alturas atmosféricas.
Tinha medo da queda livre e temia não atingir o fundo do mar. Temia a velocidade, quebrar as pernas. Temia não poder me impulsionar de volta à superfície. Temia a escuridão do mergulho e o que existia por lá.
Sonhei também com ondas tissunâmicas. Horrorosas. Pânico coletivo e eu perdia meu pai na praia. Não havia mais tempo.
Outra vez, me assistia dentro do velho carro de meu marido optando pela ponte errada. E quebrada. Afoguei-me definitivamente.
Fatal fundo do mar.

...

Contudo quando olho a linha do mar vejo a viagem verdadeira. Ali o mundo cabe...
Quando eu tinha uns 7 anos, em Fortaleza, com meu pai vi uma estrela cadente. Caiu no mar. Disse-me que estrelas cadentes que caem no mar viram estrelas do mar.
Ainda acredito nisso.
Outro dia, em outra praia, estive lá. No mar. Mergulhei na gravidade invertida e perigosa. Queria ir bem longe do barco. Era solitário e livre.
Eu estava contente.
Mas pensava em meu bebê. Nadar com peixes, ver enormes pedras submersas e tudo o mais o que vi é comprometedor. Pensava se meu bebê sentia o medo que eu sentia, sentia a gravidade que eu sentia e sabia que ali era infinita a aventura. Pensava que poderia estar molhado e salgado e sem ar, porque eu respirava menos embaixo da água. Pensava que queria proporcionar a ele a beleza do mundo...

Mesmo assim, em outra praia, cercada pela serra e selvagem paisagem, colhi três conchinhas para meu filho.
Para lhe indicar o caminho. Para lhe mostrar por onde passei.

Em breve seremos eu e você a investigar a lendas do mundo e aí então, depois de finalmente eu ter a braçadas vencido todos os mares, vou te escutar me contar que na verdade estrelas do mar são... e vou sorrir segura.
Terra firme.

20 semanas

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