sábado, 24 de outubro de 2009

terceira página

a gravidez é entorpecente
tô vendo tudo diferente

13 semanas

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

segunda página

Os dias têm sido melhores.
Silenciosos.
Minha barriga discreta, meu corpo leve.
Ninguém diz que em mim há um bebê.
Me lembro dos dias anteriores a notícia oficial. Eu já sabia.
Reconhecia a borracheira.
Fiquei feliz e secretiva. Assistia a onda mirando a epiderme. Saia do coração do útero, inundava o corpo todo e me sentia escolhida.Fui assistindo devagar.
Mas nem sempre devagar e, porque, nem tampouco transparente, numa valsa, fui rodeando meu marido. Sorrindo. Cortejando. Enjoando um pouquinho.... E testando: será que desgostaria da notícia?

Paramos em um hospital depois da feliz festa de aniversário de minha querida vó Rosa. Nas pernas foliculite aguda. Para tratar, checar possível gravidez. Resultado: positivo.
!!!

Surpresa não surpreendente para mim, mas como homens não têm corações em úteros, nem ondas que buscam pela epiderme, um exame é bom e eles gostam. Bom também para mulheres que por vezes confundem imaginação com realidade.
(...)
Bom, ai vieram as marés, as ressacas e muitas idas ao banheiro. Jatos estomacais.

E agora um silêncio... Falei lá em cima.
Aguardo, auscultando, o que de mim vai emanar, algum ruído, um movimento de alguém aqui dentro...
Estamos vizinhos.
Estamos vizinhos? Será que esse sabe disso?

A psicologia pré-natal, Freud, etc., afirmam que o bebê é absolutamente permeável a minha astralidade. Que se sente ameaçado de extermínio se estou muito estressada, que é até capaz de chorar.

“Há muito mais continuidade entre a vida intra-uterina e a primeira infância do que a impressionante caesura do ato do nascimento nos permite saber.” Freud, 1926

É assombroso.
Mas fora todo o assombro, devo confessar que, porque um pouco dramática, não revelei que na verdade ainda tenho sim algum, pequeno ruído. Sim, de leve: é essa fome e essa leve fraqueza. Ufa. A isso me agarro então.

Sigo portanto contente, me segurando ao que posso, até que minha barriga fique mais oficial. Aí vou passear, vou rodar saias longas, vou empinar meus peitões, vou fazer cara de “ui, ui, que peso!!!” nas filas de cinema e sorrir, sorrir, cinicamente para o mundo benevolente....!!!!!

13 semanas

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

primeira página

bom, pois é...

finalmente, após um longo período de escuridão, começo a emergir para esferas mais solares; e merecidas.
Atravessei alturas estratosféricas e a profundidade abissal do mar, em pesadelos constantes, e quase me sinto, agora, em terra firme. E quase nada mareada.

O medo tem a ver com o ar e tem a ver com o mar.
Altura e profundidade.
De tanta vertigem pensei que nunca mais seria a mesma.
Nem para meu marido.Tantas vezes, na direção dele, fui tão primal no volume e na fúria, que quem passou a ter pesadelos, depois de mim, foi ele.
Sonhou certa vez que era atacado por adagas afiadas e que sua missão era atravessar um campo minado na direção de seu agressor e depois subir uma montanha muito alta e ser forte, muito forte, apesar do medo que sentia.
(...)

...
Cada vez menos me sinto uma bola de hormônios descontrolada, uma ameaça pública e tenho tido mais paciência com a falta de ninho que nossa atual situação conjugal tem me/nos proporcionado.
Agora o ninho está mais em mim e decidi sair em um vôo poético de exploração e registro.
Volto a sentir o impulso do registro. Quero, apesar de ainda muito timidamente, já me comunicar com meu bebê, mesmo que ainda ele/a seja algo entre imaginação e fato.

Ainda não consegui me fotografar. Tenho uma vasta coleção de fotos de minha primeira gravidez. Toda a segunda feira, por 9 meses eu fotografei minha barriga. Organização obsessiva. Agora sem coragem.
Sem coragem porque sei, depois do passado, que a vida é um sopro e tenho medo da imprevisibilidade dos ventos.
O que estará escrito para mim?

Sei também que eu engravido e é solitário e que meu marido também engravida e é também solitário para ele.

Tomara ele me perdoe as madrugadas que teve sair para buscar comida e meus acessos primitivos de irritação. Sei que logo a natureza em mim será mais povoada de cores pastéis e eu mais redonda e rosada. Aí mais submissa aos peitos em leite e a barriga oficial, serei rendida e finalmente suave.

Ah! E que meu bebê me perdoe o medo de perdê-lo e o medo de conhecê-lo e depois perdê-lo. Que ele me perdoe o medo e que esteja protegido de mim, enquanto eu for medo.

E por aqui eu fico hoje, iniciando esse meu diário de gestante e abrindo os caminhos para que eu me alimente mais de beleza e que a graça desça em mim e é por isso que eu agradeço todos os dias todas as coisas. Porque agradecer é fazer a graça descer...

13 semanas