segunda-feira, 24 de junho de 2013

septuagésima segunda página


a vida seguindo, vezes, dolorida, outras colorida   (infeliz rima inevitável)  e meu filho ali companheiro sem oscilar, oscilando às vezes por inteiro.

eu inventando que sou haste de veleiro, mas me sentindo menina à beira mar, com medo.
com coragem também, mas com medo das velas que eu tô tentando soprar.

tudo meio misturado, eu bem imperfeita-arrogante-procurando-ser-perfeita, olho para o lado e ali, outra vez, meu filho ereto e narrativo, brincalhão e regredido. tudo muito humano e inseguro, porque eu achava que tudo deveria ser muito previsível e fincado no seguro.

nunca nada antes tão escorregadio. essa vida de mãe é uma peia.
muito amor e muita peia.

precisando separar a menina-eu-querendo-brincar-e-agora-tudo-vai-dar-certo e o menino do presente, novo, em branco.

"mãe, índio voa?
não, filho, índio não voa.
mas anjo voa, né?"

muitas vezes, todos os dias.

e a novidade da roupa muito louca escolhida depois do banho. vai shorts sobre calça. roupa de palhaço.
desce lindo às escadas pro espetáculo.

todos os dias.

conto a história da lua que guiava a comilança desenfreada do tatu e do tamanho-do-á.
sim, tamanho-do-á.
e saudades do dia que ele falou: " am é água. am é agua!!!" e nossa vida mudou.
(dia 17 de janeiro, 2013 - anota aí essa data no canteiro)

até lembrança de sua pregressa vida, já rolou:
"tinha praia na alemanha, e curso de alemão. e tinha também pulseira e colar. quando eu era bebê na alemanha. e eu falava: li fu. e tocava piano de cauda.
(22 de janeiro de 2013, anota aí mais essa no seu canteiro)

você conheceu o Koellreutter quando tava na Alemanha?
não, ele tava fazendo outro trabalho.

pra onde você tá indo agora? (olhando pra ele, menino com enorme círculo enfiado pelo braço)
para alemanha, fazer água."

fazer água.

e quando eu tento vesti-lo e ele muda de idéia e resolve sim fechar a camisa:
"mas aí as pessoas vão ver meu coração. fecha pra ninguém ver meu coração"

fecha pra ninguém ver meu coração.
proteção.

é delicadeza e importância.
quem tem  menino em casa vive com um rei.

e eu sempre cheia de lembranças, como se o tempo tivesse passado e eu já não tivesse mais tempo algum.
sinto saudades e também sinto gravidade.
e peso.

nunca antes tão ancora e tão presente.
essa vida de mãe é uma peia.

planejando mudar de foco, hortelar finalmente.
capinando novos caminhos só para poder me conectar com a possibilidade, também finalmente, de ser mãe livre e libertar nós dois do mantra do conseguimento.

"enquanto eu consigo, você brinca durante o conseguimento.
enquanto eu consigo, você brinca durante o conseguimento.
enquanto eu consigo, você brinca durante o conseguimento."

nada mais de guimentos. tudo mais de bons momentos.
e também alecrim. e sálvia. e lavanda. e unguentos.

quero dizer que ser mãe tem sido de grande crescimento.
muita coragem para assumir retornos (é preciso) e ainda algum medo para curar ex-ditos.
é preciso des-dizer ditos jogados ao vento.
(outra rima infeliz inevitável)

ter um menino de 3 anos em casa é a humanidade toda, inteira, crescendo na sua sala.
e erva daninha linda. selvageria e nobreza.
humildade, humildade é a palavra.
e tempo.

Hari, 3 anos de vida