sábado, 18 de dezembro de 2010

quadrigésima primeira página

a maternagem é caminho de espiritualidade.
perdão e gratidão.


Hari, 7 meses de vida

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

quadrigésima página

Eu chegava sempre mais cedo.
Segredo: gostava de ler as revistas do revisteiro.
Gostava também de estar ali.
Lugarzinho charmoso aquele.
Tinha uma namoradeira, um vaso grande de uma planta meio árvore boa para alguma coisa de bons fluidos.
Boa para embelezadura.
Almofadas coloridas que me lembravam a idéia que eu fazia sobre Marrocos, uma graciosa poltrona, generosa, suportando meu peso de prenha aumentado a cada sessão, uma pequena mesa à minha direita com água refrescante em uma garrafa linda, cafona, copinhos no mesmo estilo e uma planta avenca.
E, então, eu chegava cedo. Gostava. A análise começava ali.
Eu gostava do bonito de estar ali.

Na minha frente, afundada na poltrona algum quadro de algum artista.
Eu gostava.
Eu gostava de estar ali.

Às vezes chegava tão cedo que chegava ao mesmo tempo que ela, o que me deixava muito tímida.
A via regando as plantas, verificando se tinha água na garrafa, papo de elevador, ela arrumando o cenário e eu me sentindo visita.
Não gostava.
Gostava de estar ali no mistério. No silêncio.
Era bom chegar sozinha. Sentar.
Aí era assim: lia as revistas. Era isso que eu fazia.

Ai q revistas bobas. Todas elas. E era ótimo que fossem assim. E bonitas. Gente bonita ali.
Gostava de ver um mundo ali jovem, rejuvenescido.
Tinha gente famosa. Eu comprava depois se não tinha tempo de ler.
A verdade é que eu era capaz de querer chegar cedo o suficiente para terminar de ler o que não tinha lido na sessão passada.
Aí ela abria a portinha que dava para sua sala. E eu entrava.
Ai, outro lugar bonito sua sala. Ela também sempre bonita.
Eu sorria.
Até pensava em dizer: que bonita você hoje, mas achava que não convinha dizer isso para minha analista.
Ela era jovem. Menos que eu, imagino, mas jovem.

E era assim. Era bonito estar ali.
Um dia apareceu assim, descarada, na sala de espera, uma enorme samambaia, desinibida, em cima de uma comprida banqueta.
Cápsula de boniteza.
Eu acreditava que de alguma forma ao sair de lá eu ia ter em mim absorvido aquele ar. Perfumoso.
Que eu ia ter mais boniteza na minha vida.
Ah, a conversação era também muito útil.
E um dia eu não fui mais.
Assim.
Nem falamos sobre isso.
O fim chegando e nem nos despedimos.

Ela não sabe mais nada de mim e eu sinto curiosidade a meu respeito por ela.
Por isso digo aqui que tá tudo bem.
Tá tudo bem Malu.
Meu filho é lindo, é grande, seu futuro é grande, seu sorriso também.
A vida tá mais séria, eu mais assustada, mas logo logo a gente muda de casa.
A casa lá vai ser grande, a vida vai ser diferente.
A casa vai ser do jeito que eu sonhava, Malu.
Só queria contar que tá tudo bem.
Tá difícil Malu, mas bem.
Um dia passo para tomar um café, para contar para você como é em mim ser mãe finalmente.

( eu não tomo café )

O meu filho é lindo, você vai ver.
Minha mãe virou sua avó.
A boa contadora de histórias voltou.

Guarda as revistas de gente bonitona e a poltrona generosa.
Um beijo e agradecida.
Um abraço também.
O parto foi dolorido, mas a beleza é um negócio impregnante.
A falação é importante.
Você é importante até agora.
Eu raspei os cabelos.
O meu filho é um homem muito importante e de grande apetite.
Preciso ir. Ele acordou.

Hari, 7 meses de vida.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

trigésima nona página

saudades da minha analista.

Hari, 7 meses de vida

domingo, 17 de outubro de 2010

trigésima oitava página

a vida começa drásticamente mudar de rumo.
o rumo começa drásticamente a mudar de vida.
começo, vida, rumo. rumo.
a vida tá mudando pro resto de nossas vidas.

Hari, 5 meses de vida

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

trigésima sétima página

Meu bb antropofágico come pé.
Come peito também. Mundo.
(foi p isso q veio?)

Focinho/boca/corpo inteiro, devorador contorcionista, olha também.
Olhador. Sorri e cresce como lua cheia.
Meu filho onipresente, eu já careca desdentada, sigo aos pedaços amando/amamentando esse mini monstro luzente que a tudo quer em sua nave/corpo, por osmose, absorver.

Mundo do cheiro. Mundo da cor. Mundo do som. Mundo do movimento. Mundo da diferença. Mundo novo. Re-mundo. Re.
Meu filho renasceu. Será que ele se lembra da onde veio?

Minha geladeira veio da minha infância.
Ela quer me derrubar. Ela quer.
Me olha toda vez que abro sua porta com muito cinismo.
Seus blocos de gelo “iceberguicos” petulantes crescem como se morassem em uma casa abandonada. Como se essa geladeira não tivesse cuidadores.
E não tem.
Minhas plantas também. Não têm cuidadores.
Meus cabelos idem.

Tenho sonhado com escravos egípcios.
(desculpem pelos escravos)
Imagino que pessoas com folhas imensas de bananeira estão a me abanar.
Que outras me fazem massagens ayurvédicas todos os dias, que cozinheiras fantásticas me servem refeições maravilhosas e que eu durmo e cuido do meu filho. Só.

...

A mulher é grande.
A mãe é a mulher.
Cada vez mais eu acredito mais na deusa.

Hari, 5 meses de vida

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

trigésima sexta página

a gente ama e doi, ama e doi.
que isso meu deus?

Hari 5 meses de vida

trigésima quinta página

(em meus sonhos, eu era uma mãe mais segura)

Bebês combinam com manhãs.
Começo.
Quando eu estava grávida me imaginava com meu filho passeando por frescas manhãs. Eu mostrava a ele o mundo, éramos uma dupla.
Mas não tem sido assim.

Minha nova vida doméstica somada com minhas novas dificuldades financeiras têm transformado toda aquela projeção idílica em uma maratona.
Os dias são uma sequência de etapas que preciso cumprir e mais do que cumpri-las, cumpri-las amorosamente.
Amorosamente.
Essa parte tem sido a única coisa boa parte disso tudo.

Meu filho saiu de minha barriga. Sim, claro, a 5 meses.
A cada nova etapa sua o vejo surgindo. Seu papel mais encarnado.
Sua mãos agarram tudo que vêem, seu olhos também. Em sua fala consoantes.
Vejo nele, sem saber muito o que isso significa, uma linha que vem do passado e outra que vai para o futuro.
Meu filho é potência de vida. E inocência.
Ele ainda por escrever sua história, eu tão cansada como se já estivesse por concluir minha escrita.

Hari é meu estomago.
A mim parece que o que se passa em meu corpo, ainda, é o que se passa com ele.
Em jejum ou com sede imagino, preocupada, que meu filho amado está sofrendo privações.
Fome.
Não.

...

Leite.
Alguém sabe qual o percurso do leite que sai por minhas tetas?
Coração, barriga oca, cabeça, coração, futura barriga cheia, cabeça, coração, canal do amor, infância, canal do amor, velhice, canal do amor, correnteza, correnteza, correnteza, teta.

Meu corpo produz teta para Hari.
Minha teta produz amor.

...

Dor.
Maternidade é a (re)silueta revolucionária.
(refazenda)
Planetária.
(as novatas se preparem)

Em minha maternagem, que exerço com muita convicção, militância, sinto pulsante reverberando de meu núcleo, uma onda que pressiona a linha que me delimita, meu território, para que eu me expanda.
Meu território, mapa biográfico, é atravessado por essa reta, flecha, que parte de meu planalto central para minha periferia.
Quer forçar meus limites.
A pressão interna é alterada, expansão.
No que avanço me desconfiguro.
Nova figura.
Vou aumentando de tamanho, vou desconhecendo minha pessoa, me restabeleço e nova reta, flecha, parte de meu planalto central.
Tudo denovo.
Eu não sei onde vou chegar.

...

Quando eu morrer serei um gigante.
Vão ter que encontrar um caixão do tamanho da minha sensação de limite.

(Eu pensei que ia ser mais fácil, que seria só bonito.)
Maratona.
Cadê a linha de chegada?

Hari, 5 meses de vida

sábado, 2 de outubro de 2010

trigésima quarta página

cuidar.
cuidar.
cuidar.

Hari 5 meses de vida

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

trigésima terceira página

Estou trocando de pele.
Meu cabelo todo trocando, minha pele toda coçando.
(doi)

Hari, 4 meses de vida

terça-feira, 31 de agosto de 2010

trigésima segunda

Eu juro, juro que é verdade.
Hari falou outro dia. Falou uma frase inteira. Falou logo depois de mim, me olhando sorrindo, pendurado em meu peito, a mesma frase que eu lhe disse.
"Que negócio é esse?"
Falou como bebês falam, mas falou o suficientemente claro para que meu marido, do banco da frente do carro dissesse:
"O que Hari disse? Disse 'que negócio é esse?' "
Sim, ele disse.
Falou e disse no dia de seu quarto mensário.

Hari, (agora) 4 meses de vida

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

trigésima primeira página

Os bebês são miragens. São.
O meu fica ali, existindo em meu apartamento e eu me acostumando com ele quando de repente ele me lança um olhar profundo, um olhar de quem tem um corpo muito maior do que os seus mais de 7 quilos; e sorri. Eu arrepio e sinto amor. E sinto também que sou muito pequena diante dessa beleza, dessa presença. Sinto que sou pouco, me envergonho. Ele sabe de minhas limitações.

Tenho como missão ser mãe dessa pessoa. Isso dói. E assusta.
Dói porque é uma missão grandiosa e solitária, e assusta porque é uma missão grandiosa e solitária.
Os bebês são seres celestiais e eu humana.
Sinto que eu tenho em casa um rei.

Sinto que meu filho é tão importante que muitas vezes me sinto ridícula quando me dirijo a ele no diminutivo. Ele é tão grande e tão bonito.

Meu filho é uma visão de luz.

Vê-lo dormir é assustador.
É surpreendê-lo uterino, secreto, espírito ainda. Do lado de lá.
Tão íntimo. Ser mãe é lê-lo no dia e espiá-lo na noite.

A cada dia é o primeiro dia. O primeiro dia de alguma coisa entre nós.
Todos os dias ainda são o primeiro dia depois do parto.

Hari sorri muito. Ri.
Eu acho que quando a pessoa começa a gargalhar é porque já é mais parte desse mundo. Ele gargalha tão lindamente, faz que busca o ar lá dentro, ri de dentro para fora. Ri com os pulmões e com as perninhas.

Hari já é desse mundo de cá.
Hari é do mundo de lá.

Meu filho é todo dourado.
Ele luze.
Ninguém percebeu isso ainda?

Hari, quase 4 meses de vida

segunda-feira, 12 de julho de 2010

trigésima página

ai q silêncio

Hari, 2 meses de vida

terça-feira, 6 de julho de 2010

vigésima nona página

Hari hoje, bonitinho, falou mais.
Até uivou. Ele mia também.
Ficou sozinho em seu moíses sem me chamar, olhando, olhando, olhando tudo.
E eu, claro, olhando ele, mal sabe ele.
Agora suga minha mão também. Suga meus dedos.
Quer tudo. Meu cabelo, minha mão, meu peito.

Meu coração é sua casa.

Hari queridinho engorda e cresce bem.
Aja leitinho.
Mama o tempo que quiser.
Mama, mama, mama.

É meu amor, meu pitoquinho, Hari meu filho, meu corpo é seu ninho.

Hari, 2 meses de vida

terça-feira, 29 de junho de 2010

vigésima oitava página

O Hari, Hari meu amor
tá mais bonito hoje,
tá mais falante,
sorri mais,
sorriso mais largo,
faz mais sonzinhos,
(parece que quer falar),
suga sua mãozinha
e olha mais, mais fixamente em meu olhar.
Ele tá crescendo e tá crescendo bem.

Eu com todos os meus medos, medos de mãe, no silêncio das mamadas noturnas, percebo que preciso a mim amamentar também. Para amamentar bem a Hari.
Em nossa bolha de amor, devo relaxar mais, para que ele tenha menos cólicas e devo também confiar mais que o feminino Divino, Universal, olha por mim, olha sim, para que eu possa ser uma boa mãe para meu filho, uma mãe de amor e possa também me perdoar toda vez que eu julgar que errei. E eu erro. (e isso dói). Que eu não devo ser perfeita...

Hoje Hari, Hari meu amor, tem 2 meses e 1 dia.
Hari, Hari cada vez mais perto de mim.

Hari, 2 mesesde vida

domingo, 20 de junho de 2010

vigésima sétima página

Agora tenho duas barriga.
Um pouco mais para cima.
Mais para direita, mais para a esquerda.

...
Meu filho habita minhas tetas.
Meu filho ainda me habita.

Hari, 1 mês de vida

sexta-feira, 4 de junho de 2010

vigésima sexta página

Dia 28 de abril, data prevista, lua cheia, meu filho nasceu.
Em casa.
Seu nome não é mais nome rio, é nome de astro, astro sol.
Hari, meu amor.

Tenho muito a contar, mas não posso porque agora é o tempo da não palavra.
Agora.
Não há tempo para mais nada, só há tempo para o amor.

 Hari, 1 mês de vida

quarta-feira, 21 de abril de 2010

vigésima quinta página

( ontem foi meu aniversário. ontem, antes de ontem, antes de antes de ontem. todos os últimos dias. acho que meu aniversário é quando todo mundo olha para mim... )

O mundo tem me olhado diferente. E curioso.
Não tem onde e nem quando, alguém do mundo não me olhe e não me diga:
“Nossa! tá nascendo, hein?!
ou
“Tudo pronto? olha a lua, hein?”
ou
“ Você não tá sentindo nada, a bolsa não estourou ainda?!”

Ainda, ainda, ainda, ainda...

É como se eu devesse uma explicação.
O mundo tá ansioso e eu nem tanto.

Eu não sei quando meu bebê vai vir.
Não me lembro.
Sei que no futuro ele já nasceu, já andou, já me deixou preocupada, já me deixou muito feliz e um monte de outras coisas que não tenho como imaginar.
Sei que seu parto está por vir, não sei da onde, não sei como e não sei que horas.
Contudo, se alguém por aí, do mundo, alguém dessas pessoas que me dizem a todo momento: “nossa, tá quase hein!” souber, favor me comunicar.
Assim ainda terei, quem sabe, alguns instantes para fazer algumas coisas pela última vez.

...

Quem sabe meditar para me preparar para o parto.
Ou rever todas as roupinhas para ter certeza que está tudo em ordem.
Chorar de medo, ou de coragem.
Avisar todo mundo, ou avisar ninguém.
Ou apenas quem sabe...
...
respirar fundo e me despedir finalmente de toda a necessidade de saber o que e quando aquilo que não tenho controle e nem tenho dimensão acontece ou está por acontecer em mim...

Acho que o mundo e eu somos um só.

Mas é bom que hoje faça sol, que hoje é dia de Tiradentes e que o mundo está, enquanto eu não apareço, ocupado com seus calendários.
(quero permanecer no silêncio da inconsciência e na privacidade do mistério que tenho vivido.)

Será que se eu sair de óculos escuros alguém me vai reconhecer?

39 semanas

domingo, 11 de abril de 2010

vigésima quarta página

( ontem foi meu aniversário.
acho que meu aniversário é quando algo em mim é celebrado )

Chá de bebê.
Linda, amorosa, tarde cheia de afeto.
Rito de passagem rumo a lua final.

Rumo a lua final
...

Esse foi o dia do pré aniversario de meu filho.
Que quem sabe, não sei, vai me dizer, é chamado de rio.

37 semanas

domingo, 4 de abril de 2010

vigésima terceira página

( ontem foi meu desaniversário.
acho que meu aniversário vai ser no dia que meu filho nascer )

Sinto a Vida e a Morte em minhas mãos.
O sim e o não.
É como se eu devesse acertar na medida, a pressão certa, o volume certo, a tensão, o abrir e o fechar certo.
É como se eu devesse saber como fazer o juste fino.

Nascer é um ajuste fino.
E se eu errar na dose, só daqui a sete anos outra vez?

( 36 semanas – quase 37 )

quinta-feira, 1 de abril de 2010

vigésima segunda página

eu não tenho medo do parto
eu tenho coragem do parto

36 semanas

vigésima primeira página

A cada nova braçada
uma nova paisagem.

Objetos que antes nunca estiveram aqui, hoje me cercam.
Eu no centro desse círculo
Um TEMPO novo que agora corre diferente.

(sinto a eminência do parto, sinto as luas)

Meu filho está chegando e a partir dele, o mundo, todos os mundos, nunca mais serão os mesmos.

36 semanas

quinta-feira, 18 de março de 2010

vigésima página

não como conceito
eu como comida
comida terrestre

34 semanas

quinta-feira, 4 de março de 2010

décima nona página

Sinto-me como se caminhasse dentro d’água.

Tenho feito caminhadas quase que diárias e me sinto como se caminhasse dentro d’água. Minha barriga está cada vez maior e mais pontuda, eu mais lenta e meu corpo todo está submetido a ela.

Eu imersa com ela.

Estar submetido a ela é uma linda forma de me submeter a alguém e cada vez mais sei que tem alguém dentro de mim.
E isso é realmente incrível.

Caminho como quem caminha dentro d’água e caminho na direção de um túnel de vida.
Não é um túnel da vida, metáfora da vida. É um túnel de vida, percurso que me leva a vida.
No fim desse túnel encontrarei meu filho, vida.

Eu não sei como será esse percurso e nem quanto tempo levará.
Sei que se trata de um profundo mergulho feminino. E sei que é preciso coragem, firmeza, saber fechar e saber abrir para percorrê-lo.

Sinto-me como se caminhasse dentro d’água.

O peso de minha barriga me faz levitar. É como se não houvesse gravidade exercida sobre mim, meus passos são deselegantes, é preciso que me dêem passagem, é preciso compreender que pesar mais, no meu caso, é pesar menos e é preciso que se veja que minha ordem é outra.

Eu imersa no que meu filho está imerso.

Estar dentro d’água é também sonhar um pouco. Meu raciocínio matemático está mais lento, a razão está menos angulosa, acordo dias de um jeito, dias de outro e já não procuro entender os porquês.

Os dias são importantes, como eu passo por eles é mais importante ainda, e é preciso que se assuma uma nova respiração.

Cada vez mais um leve torpor...
Um pouco de água e um pouco de terra.

Sinto-me como se caminhasse imersa com meu filho rumo ao nosso encontro.
E estou feliz.
Nunca a vida é tão intensa do que quando se nasce ou quando se morre.

Em algumas semanas eu verei isso tudo de bem perto.

32 semanas

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

décima oitava página

Subia a Augusta hoje, quando vi duas moças falantes, transexuais, que mexiam com quem passavam por elas.

Quando passei por elas e senti que eu poderia ser a próxima vítima de suas brincadeiras, uma disse a outra:
Cuidado, ela tá grávida!

Sorri agradecida por ter sido poupada e prossegui seguindo meu caminho, com o coração metade acumulado, e graças às elas, metade aliviado.

31 semanas



.

décima sétima página

Meu apartamento pequeno está lotado de preocupações.
Tenho jogado coisas fora, colocado novas prateleiras.

Ainda não encontrei espaço para o silêncio ou para caminhadas em plataformas continentais.

31 semanas

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

décima sexta página

Na hora certa, deixar nascer é se separar. Retomar sua origem.
O parto é partir-se em dois.
criança X adulto.
agora eu = mãe.

Li em um livro que todas as mulheres dão a luz pensando na própria mãe.
Por isso vezes força, vezes dor.

Diz-se também nesse livro que os hormônios destinados a amaciar o corpo, amaciam também o espírito.

Li ainda que ao partir-se, ao parir, é preciso abrir os lábios, a boca, para que se abram também os lábios do sexo.
A boca debaixo.
Todos os nossos lábios estão entre o consciente e inconsciente. Entre o sim e o não.

E finalmente é preciso olhar. O olhar é o fio terra que percorre o corpo em movimento até a pélvis.

...
Com tudo isso vou me apercebendo que parir é transformação, é revisão, é saturnino.
(e é sempre a primeira vez, mesmo que não seja mais a primeira vez que se percorre esse caminho... e eu tô gostando disso)

28 semanas

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

décima quinta página

estar grávida é ser sexual ...

28 semanas

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

décima quarta página

Ao caminhar, uma pata gorda
...

A muito não passo por aqui. Tenho estado em outro Estado.
O Estado das coisas flutuantes,
no país dos sem chão.
Tem os Sem teto, eu sou dos Sem chão.

Ainda com uma pequena caminhada pela frente, me sinto como se fosse parir amanhã.
Repasso como imagino que será meu parto, checo o quanto me sinto segura ou não.
Apalpo minha convicção.
E imagino o bebê.
...

Imagino que delicia tê-lo nos braços, vê-lo sendo.
Vejo-me fazê-lo dormir...
Cuidar dele.
Meu amor por ele.
Todo o amor que ainda nem conheço em mim.
...

Sinto-me às portas de algo que tenho esperado a vida toda e que uma vez esta porta é aberta o presente inundará minha consciência e sentirei o peso bom da gravidade.

O peso dos pés no chão.
(Abaixo aos Sem chão)

A vida finalmente vai acontecer.

Também tenho estado em intensa prosa com minha infância.
Melhor: eu sou a minha infância.
Sou quem que sonhou tudo isso lá atrás, no tempo que pensei pela primeira vez sobre as coisas.
As coisas eram grandes e minha vida infinda...
O futuro, um projeto maravilhoso, era tão futuro que parecia que nunca em uma existência ele iria chegar.
Eu teria que esperar uma eterna infância para lá estar.
Lá eu seria, e Ser é ser mãe.

Passei todos os anos de minha infância semeando o futuro.
A vida um longo dia “Manoel de Barros”.
...

Minha barriga mexe tanto, vejo tão concretamente meu filho aqui dentro...

Sou o meu coração, inteira.
Sou um coração e duas pernas.
Ou melhor, ao caminhar, pulsante,
uma pata gorda coração.

27 semanas