quarta-feira, 6 de outubro de 2010

trigésima quinta página

(em meus sonhos, eu era uma mãe mais segura)

Bebês combinam com manhãs.
Começo.
Quando eu estava grávida me imaginava com meu filho passeando por frescas manhãs. Eu mostrava a ele o mundo, éramos uma dupla.
Mas não tem sido assim.

Minha nova vida doméstica somada com minhas novas dificuldades financeiras têm transformado toda aquela projeção idílica em uma maratona.
Os dias são uma sequência de etapas que preciso cumprir e mais do que cumpri-las, cumpri-las amorosamente.
Amorosamente.
Essa parte tem sido a única coisa boa parte disso tudo.

Meu filho saiu de minha barriga. Sim, claro, a 5 meses.
A cada nova etapa sua o vejo surgindo. Seu papel mais encarnado.
Sua mãos agarram tudo que vêem, seu olhos também. Em sua fala consoantes.
Vejo nele, sem saber muito o que isso significa, uma linha que vem do passado e outra que vai para o futuro.
Meu filho é potência de vida. E inocência.
Ele ainda por escrever sua história, eu tão cansada como se já estivesse por concluir minha escrita.

Hari é meu estomago.
A mim parece que o que se passa em meu corpo, ainda, é o que se passa com ele.
Em jejum ou com sede imagino, preocupada, que meu filho amado está sofrendo privações.
Fome.
Não.

...

Leite.
Alguém sabe qual o percurso do leite que sai por minhas tetas?
Coração, barriga oca, cabeça, coração, futura barriga cheia, cabeça, coração, canal do amor, infância, canal do amor, velhice, canal do amor, correnteza, correnteza, correnteza, teta.

Meu corpo produz teta para Hari.
Minha teta produz amor.

...

Dor.
Maternidade é a (re)silueta revolucionária.
(refazenda)
Planetária.
(as novatas se preparem)

Em minha maternagem, que exerço com muita convicção, militância, sinto pulsante reverberando de meu núcleo, uma onda que pressiona a linha que me delimita, meu território, para que eu me expanda.
Meu território, mapa biográfico, é atravessado por essa reta, flecha, que parte de meu planalto central para minha periferia.
Quer forçar meus limites.
A pressão interna é alterada, expansão.
No que avanço me desconfiguro.
Nova figura.
Vou aumentando de tamanho, vou desconhecendo minha pessoa, me restabeleço e nova reta, flecha, parte de meu planalto central.
Tudo denovo.
Eu não sei onde vou chegar.

...

Quando eu morrer serei um gigante.
Vão ter que encontrar um caixão do tamanho da minha sensação de limite.

(Eu pensei que ia ser mais fácil, que seria só bonito.)
Maratona.
Cadê a linha de chegada?

Hari, 5 meses de vida

Um comentário:

  1. Que lindo Fabiolla. Vc traduz sentimentos que parecem intraduzíveis! Obrigada por suas palavras, sinto que me comunico junto contigo ao ler o que escreveu, tão meu. Feliz do Hari que vai poder saber direitinho o que a mãe dele foi nessa fase da vida. Beijos da materna Eliane, da Alice, 6 meses.
    ellianne@hotmail.com

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