sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

décima quarta página

Ao caminhar, uma pata gorda
...

A muito não passo por aqui. Tenho estado em outro Estado.
O Estado das coisas flutuantes,
no país dos sem chão.
Tem os Sem teto, eu sou dos Sem chão.

Ainda com uma pequena caminhada pela frente, me sinto como se fosse parir amanhã.
Repasso como imagino que será meu parto, checo o quanto me sinto segura ou não.
Apalpo minha convicção.
E imagino o bebê.
...

Imagino que delicia tê-lo nos braços, vê-lo sendo.
Vejo-me fazê-lo dormir...
Cuidar dele.
Meu amor por ele.
Todo o amor que ainda nem conheço em mim.
...

Sinto-me às portas de algo que tenho esperado a vida toda e que uma vez esta porta é aberta o presente inundará minha consciência e sentirei o peso bom da gravidade.

O peso dos pés no chão.
(Abaixo aos Sem chão)

A vida finalmente vai acontecer.

Também tenho estado em intensa prosa com minha infância.
Melhor: eu sou a minha infância.
Sou quem que sonhou tudo isso lá atrás, no tempo que pensei pela primeira vez sobre as coisas.
As coisas eram grandes e minha vida infinda...
O futuro, um projeto maravilhoso, era tão futuro que parecia que nunca em uma existência ele iria chegar.
Eu teria que esperar uma eterna infância para lá estar.
Lá eu seria, e Ser é ser mãe.

Passei todos os anos de minha infância semeando o futuro.
A vida um longo dia “Manoel de Barros”.
...

Minha barriga mexe tanto, vejo tão concretamente meu filho aqui dentro...

Sou o meu coração, inteira.
Sou um coração e duas pernas.
Ou melhor, ao caminhar, pulsante,
uma pata gorda coração.

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