terça-feira, 10 de novembro de 2009

quarta página

ela também é conciliatória.

Tenho tido vontade de falar com meus inimigos.
Existem dois. O um me traiu. O dois me abandonou.
Não,
acho que é o contrário.
Não,
é a mesma coisa.


Hoje eu entro no quarto mês.
Sinto o cheiro dos dias do passado, aqui, e o peso enlutado do ar a minha volta, estagnado e frio.
Despedida.
...

Grávidas deveriam ler mãos.
Ganhar prevendo o futuro.
O olhar em nós é um radar a serviço da exata temporalidade.
Seria capaz de penetrar nas possibilidades, viajar por entre suas células coloridas e sonoras, eu fluída, e voltar, claro, renovada depois de tamanha expedição. Cheia de novidades.
O cliente poderia escolher, assim, dentre as checadas possibilidades, qual delas mais se aprazasse. Eu as exporia como um baralho aberto em minhas mãos.
E partiria em uma nova expedição.

Ás vezes eu não gosto de estar aqui.
Quero explodir demais, ser substância volátil, purpurinada; mas os dias não deixam, as contas também não. Temos muitas contas a pagar.
Aliás, tenho novidades. Vamos nos mudar. Um grande apartamento. Lá gatinhos, piano, enteada, marido, eu e minha imensa necessidade de ser mãe, coabitaremos com vista para o centro da cidade. Com vista para o olho do furacão.

Aliás, (segundo aliás), tenho uma reivindicação a fazer : mulheres grávidas deveriam ter o direito de pagar meia refeição em restaurantes e meia conta nas compras de supermercado. Poxa, já fazemos tanto pela espécie... A sociedade deveria custear a gravidade a que nos dispomos sacrificar. E toda a vertigem colateral.
...

Tenho sentido calor esses dias. Parece até que escuto cornetas solenes anunciando o segundo grande verão de minha vida. O primeiro foi na infância, quando tudo que sentimos, sentimos com extrema intensidade. O segundo é agora, grávida, quando tudo o que sentimos, sentimos com extrema intensidade.

Ai... a gravidez e a infância são tão parecidas... Sinto a vida aqui, colada em minha pele, grudenta e alucinógena.

Também tenho tido vontade de comprar muitas coisas bonitas. Só coisas bonitas. Roupas, sapatos, coisas bonitas para me enfeitar. Eu preciso tanto...
E passear, flanar esvoaçante.

Agora vou à peixaria.
Aproveitar esta rara manhã depois de tantas manhãs que têm me faltado.
Pois é, noites muito estranhas têm me rodeado... muito estranhas... Noites que duram até o início da tarde do dia seguinte.
Fenômenos gestacionais, todos, todos, esquisitos demais...

16 semanas e iniciando o quarto mês

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